segunda-feira, janeiro 31

Limão com melancia

Um suco exótico, meio amargo, que tomei antes de provar o cocktail das eritroletrihilarioxiláceas....

Ele é do tipo que tem domínio total daquilo que chamo de 'combinação de letrinhas'. Apareceu no meu computador, meio sem querer. Juntou várias delas e foi chamando minha atenção. Um dia resolvi saber mais sobre ele. Encontrei uma foto e um mini currículo. Nada mal, pelo contrário, muito interessante ! Escrevi provocativamente e a reação foi imediata. Ainda resta a dúvida sobre quem teria sido o peixe fisgado... ele ou eu. Meses se passaram até que começamos a conversar/digitar mais. E mais..... sobre várias coisas. O humor era raro, claro, engraçado. A inteligência era fascinante, afiada, rápida. Ganhei uma poesia, compusemos outras juntos. Ganhei apoio, energia, fantasia. Muita fantasia. Viajamos ! Literalmente. Desencontramos. Até brigamos (várias vezes). Levaram outros tantos meses para o dia do encontro real. Eu estava estranhamente envolvida por um ser desconhecido.

Ele estava lá, sentado na muretinha quando o vi pela primeira vez, o reconhecimento foi imediato. Eu estava preparada para grandes frustrações à primeira vista, que surpreendentemente não ocorreram. Ele foi gentil, educado, bem humorado. Conversamos sobre assuntos digitados.

Foi tirando as coisas do carro que ele me abraçou e me beijou. Um beijo tão do jeito que eu gosto que fiquei meia tonta, com o coração na mão. Mas como a alegria das "trintonas independentes" (Carrie, Sex and the City) é efêmera, a frase dele seguiu o maravilhoso gesto:

" - Isto é apenas um beijo de boas vindas. Mas nós somos AMIGOS !"

Esta questão da amizade já havia sido amplamente discutida antes do encontro e, racionalmente não poderíamos nos nomear nada diferente de amigos mesmo. Não fossem nossos corpos a criar mais confusão emocional no encontro real...

Ele tinha algumas coisas que eu não gostava, sendo que fumar era o que mais me incomodava. Mas resolvi não ser tão exigente, afinal as qualidades superavam os defeitos. Ele cozinhou para mim. Fez cama, lavou louça, alugou filme, colocou lixo para fora, pegou toalhas, varreu chão, instalou TV, computador, abriu portas, e janelas ! Um verdadeiro gentelman engraçadamente destrembelhado :-) e muito atencioso.

Mas a presença física estava revelando mais coisas.... O discurso dele, altamente contraditório, tentou segurar a "tsunami" (Pereira, 2005) que estava por vir mas não foi possível... Ainda bem ! Eu estava na rede e ele ao meu lado em uma cadeira. Estávamos nos abraçando e beijando daquele jeito bom... lembrando da Velha infância....

" - Andréa, neste momento Eu te Amo muito !"
" - Você se importa se a gente não ficar andando de mãos dadas por aí ?"

Pensei que um pouco de liberdade fosse essencial dado o tamanho da tsunami emocional que estava ameaçando nos submergir completamente.... então perguntei:

" - Por que ?"
" - Porque agora eu não... mas... mais prá frente eu posso querer namorar com você."

Senti que estávamos começando a nos entender.... fiquei contente e respondi sorrindo:

"- Não me importo."

Ele sorriu com um olhar feliz de quem fôra compreendido e nos permitirmos ser submergidos... Não sei o que se passou com ele, mas precisou ir embora de qualquer maneira, por qualquer motivo... Eu estava muito feliz. Incrivelmente apaixonada. Morrendo de medo de me 'afogar', já afogada.... mas tinha escolhido correr o risco de ser feliz e lá fiquei...

Nos dias que se sucederam foram desencontros e mais desencontros, no encontro. Não conseguimos ter um diálogo sem um 'arranhão'. Qualquer coisa era motivo para uma interpretação errônea das palavras, que agora eram ditas, não escritas. Eu procurei não brigar de fato, mas o custo foi muito alto. Me rendeu muitas lágrimas, um herpes nos lábios e um certo rancor por ter sido imensamente mal interpretada.

A sensação da má interpretação me acompanhou desoladamente por outros tantos meses. Parecíamos universos paralelos com os quais não há comunicação possível.... QUEM o saberá ? :-) Eis que a comunicação se abre, e inesperadamente leio:

"- Peço desculpas pelas vezes que algumas declarações minhas possam ter te ofendido, ainda que jamais quis te ofender"

Ele saiu sem saber minha resposta.... precisava ir.... estava muito alvoroçado, assim como minha amiga Mônica... E lamento como meu amigo Eduardo... Não consigo acompanhá-lo...

sexta-feira, janeiro 28

Cocktail das eritroxiláceas transgênicas 2

(Uma homenagem à Andréa :-)
Club de fans, 2005

Ignorada marcianita
Aseguran los hombres de ciencia que en diez años más tu y yo
Estaremos tan cerquita
Que podremos pasar por el cielo y hablarmos de amor

(Marcianita, José Imperatore Marcone e Galvarino Alderete)


Ignorada terrenaça
Aseguran los hombres de ciencia que nen em diez años tu y yo
Estaremos tan cerquita
Suenha en cruzarmos los cielos para hablarmos de amor
mientras vai amando biologicamente los hombres

(Terrenaça,Verdete Esmugáceo D.Corleone, Excuso Hombre Andrónico)

sábado, janeiro 22

Cocktail das eritroxiláceas transgênicas

Uma homenagem ao club de fans :-)
Ramirez et. al. 2005

Parte I - Misteriosa
O que o Eduardo não daria para ser o astronavegante da Mónica!

Parte II - Ética(mentosa)
Querida esta biose não é sua!

Parte III - Gênero(sa)
Vc é uma MULHER linda

Parte IV - Fóbica
(rssss) Querida, não promova esta biose .....

Parte V - Poética
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos,são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo. (Pessoa)

Parte VI - Literária
- Eu gosto do oras, oras isto, oras aquilo, é uma figura de estilo muito interessante.....

Parte VII - Investigativa A
- Então já mataste a charada?
- Não, só matei uma mosca

Parte VIII - Investigativa R
Sim cara(o) Sherlock Holmes era só para confirmar o que supunhamos .....

Parte IX - Romântica
O mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime
(La chanson des vieux amants /J.Brel)

Parte X - Socio(lógica ?)
Andréa, faça-me um favor. Continue a encorajar a quem está a tentar mudar a realidade, porque tentar mudar a realidade é de gigante.

Parte XI - Científica
Bem, uma coisa é certa, vai ser uma bela investigação de campo sobre a "parapsicologia" do n.... :))))) Matéria e material não nos falta :))))))

Parte XII - Psicanalítica
- Hum.... psiquismo profundo, posso-me inscrever neste blog? É que sei ler também o Tarot e conheço o Freud, tu cá, tu lá sem "zebras":)))))))

Parte XIII - Dopada
A minha heroína, depois do Romance Ideal, antes de Bellini e a esfinge e no meio da Amizade Psicoterapêutica! :)))))

Parte XIV - Apaixonada
A onda do amor bateu com tal força na máquina de pensar que freou o pensamento! :)))))

Parte XV - Modificada (ou "Doping Apaixonético")
Não, a coca-cola chama-se Andréa. (...) Agora estamos na dopagem do amor.... que lindo:)))))

Parte XVI - Poética Sherlokiana do (des)entendimento intergaláctico
QUEM é que o saberá sonhar?
A alma de outrém é outro universo paralelo
Mas QUEM é que quer comunicar?
Mas QUEM é que quer o verdadeiro entendimento?
Como é por dentro outro ser intergaláctico
(Fernando Pessoa, 1934 - modificado por nós)

Parte XVII - Ortográfica
Não é eritroliáceas, é eritroxiláceas.

Parte XVIII - Saudosa
(...) Tragam-me a Mónica mesmo sem a astronave.

Parte XIX - Sensata
Sim, concordamos com o respeito, só que a realidade é tão esmagadora que a lucidez também é fundamental. Ou pelo menos, tentarmos mantermo-nos minimamente lúcidos....em relação aos outros e a nós próprios.

Parte XX - Esperançosa
Certamente que vai ser um sortudo.

Parte XXI - Engraçada
Nós somos muito engraçados e engraçamos com vc.

Parte XXII - Hilária
Aqui fala o Eduardo (ELE?)
- Mónica espera por mim, estás muito alvoraçada.

terça-feira, janeiro 18

Romance ideal

Ele era um daqueles rapazes que atraía a atenção de todas as pré-adolescentes na escola. Um tipo alegre, divertido, extrovertido, inteligente e muito paquerador. Que detestava assistir aula, e sempre era advertido, quando não suspenso por suas rebeldias. Estava na sexta série. Eu na quinta. Portanto eu tinha 12 anos e ele 15. Era também filho de uma das melhores amigas de minha mãe, com quem tinha uma relação de admiração e respeito muito grande. Eu era muito introvertida e tímida, além de ter a presença forte da minha mãe que sempre estava por perto. Ela me levava para a escola no famoso Fusca bege. Todas as minhas amigas falavam dele, oras o quanto o achavam bonito, oras o quanto ele era terrível por fazer 'rodízio de meninas' na porta da escola. Eu era puro segredo. Ninguém sabia explicitamente que eu era apaixonada por ele. Mas a Dona Elza sabia... ah.... ela sabia sim... Um dia ela foi me buscar na escola e o viu com mais uma menina. Era final de tarde, estávamos só eu e ela dentro do carro. Ela teve a audácia de parar o carro ao lado dele, que por sua vez estava agarrado na garota, e dizer:
"- Oi ...... ! A próxima da fila sou eu heim !"
"- Claro Dona Elza...." e esticou um olhar para mim que deve ter me deixado roxa de vergonha.
Tive vontade de esganar minha mãe ! Ela era perita em me deixar sem graça perto dele. Eu passava mal de vergonha e mantinha-me cada vez mais calada sobre o tema.
Depois de ficar com metade das meninas da escola ele abandonou os estudos e foi trabalhar com o pai em filmagens. Nunca esqueço de um casamento de uma vizinha no qual inesperadamente encontrei com ele. Claro que mamãe e papai estavam comigo... Eu quase não (ou obviamente não) consegui disfarçar meu coração saíndo pela boca. Hoje acho engraçado lembrar.
Era uma época que ainda se realizavam bailinhos nos porões das casas e prédios para arrecadar fundos para a formatura. Minha turma organizou um destes. Lá fui eu, depois de muita luta para conseguir autorização da Dona Elza, que por sua vez resolveu o problema dela (muito inteligentemente) se disponibilizando a ajudar na organização. 'Era tudo o que eu precisava - minha mãe no meu baile, me vigiando...' Não só meu objeto de paixão passou longe de mim, como todos os outros meninos, óbvio...
Na oitava série fizemos uma excursão para o Horto Florestal. O dia foi divertido, porém a volta muito estranha... Imagino que os meninos combinaram tudo antes. Foi um tal de trocarem de lugar nos bancos do ônibus, que quando percebi um colega de classe estava do meu lado. E ficou conversando comigo até que de repente me roubou um beijo tipo selinho. Levei um susto, não estava esperando, além do mais aquilo nunca tinha me acontecido antes, nem com ele nem com outro menino. Ele certamente não sabia que eu era apaixonada pelo dito cujo acima.
"- O que você acha que eu quero Andréa ?"
"- Eu acho que você quer namorar."
"- Não, eu quero isto !"
E começou um beijo de língua que me deixou ainda mais sem jeito. Lembro da cara da minha amiga que me olhava rindo porque eu nem sequer tinha fechado os olhos. Achei aquilo tudo muito esquisito, e não o deixei repetir a coisa. Ao chegarmos de volta na escola nem me despedi da criatura que havia me beijado, mas me lembro de ficarmos nos entreolhando à distância por alguns minutos, mudos. Eu achei aquilo tudo péssimo. Como assim não pedia autorização, me beijava, não queria namorar e na sequência beijava de língua ? Achei nojento e tive raiva dele por muito tempo.
A minha formatura aconteceria em algumas semanas quando minha mãe pediu que eu telefonasse para a amiga dela convidando todos, inclusive minha paixão acima, para a festa. Ela cismou que deveria ser naquela hora. Telefonei, ELE atendeu. Quase perdi a voz, mas fui fazendo o convite à toda a família. Ele, educadíssimo, agradecia. Dona Elza, entusiasmada por monitorar a conversa insistia para eu convidá-lo para ser meu padrinho. Aquilo nunca tinha passado pela minha cabeça, até mesmo porque ele estava namorando uma moça de outra cidade (ainda acho que foi armação das nossas mães). Enfim, ele foi dito como o padrinho mais bonito da festa, eu devo ter sido a a formanda 'zebra' por estar com ele. Háhá. Dançamos uma valsa juntos, cuja foto tenho até hoje. Lá pelas tantas ele me chamou num canto. Meu coração obviamente saía pela boca.
"- Eu acho que devemos ter algo mais sério Andréa !"
"- Mas você já tem uma namorada !"
Não lembro como continuou a conversa... Voltamos para o salão e sentei ao lado de uma amiga.
"- O que aconteceu com o seu padrinho Andréa ? Ele está tão murchinho..."
"- Ele quis namorar comigo mas eu não quis."
"- Tá maluca ! Dispensando logo ELE ! Porque não ??"
"- Porque ele já tem uma namorada, e quem já tem uma namorada não pode ter outra !"
Na verdade eu não queria ser apenas mais uma da enorme lista dele. Mas me arrependi muito, por muitos anos, por ter recusado a proposta. Depois vim a saber pela irmã dele que ele ficou muito triste nos dias seguintes à festa. Pouco tempo depois eles mudaram de cidade. Eu sofri muito, calada, pela perda do contato. Quando minha mãe morreu ele foi me visitar. Chorou muito comigo, mais do que eu, ele realmente gostava dela. Dentre outras tantas coisas, ele me disse que estava namorando...
Outros tantos anos depois ele estava passeando pelo velho bairro e resolveu passar em casa. Eu estava com uma amiga que, um dia, tinha estado na lista dele. Conversamos muito. Ele iria se casar em alguns meses.
"- Por que você resolveu se casar ?"
"- Porque é chegada a hora..."
Resolvi abrir o jogo, contei que gostei dele na época da escola. Ele revelou sentimento recíproco e disse que tinha a nossa foto da formatura na porta do armário dele. Fiquei surpresa, busquei uma folha de sulfite na qual eu havia escrito inteirinha, anos atrás, o nome dele com caneta BIC quatro cores. Ele levou um susto quando viu a data. Sabia o significado daquilo. Levou a folha e ficou de voltar para deixar o convite de casamento. Por alguns dias torci para que ele não se casasse, chorei absurdos, ensaiei várias falas, mas ele não voltou para entregar o convite.
Muitos anos depois, quando eu já estava no mestrado encontrei a irmã dele em uma biblioteca.
"- E como vai seu irmão ?"
"- Ele não anda muito bem não, tem uma filhinha, mas está brigando muito com a esposa. Passa lá em casa Andréa, minha mãe vai gostar de ver você, e meu irmão também !"
"- Até tenho vontade, mas acho melhor não, afinal, é desconcertante rever um grande amor..."
Foi a primeira vez que disse algo tão claro sobre o que eu senti por ele para alguém.
Alguns meses depois meu pai me acordou em um domigo com um sorisso bem maroto (assim como a Dona Elza, ele também sabia... apesar do meu silêncio)
"Andréa, acorde, tem uma visita para você ! É o ......!"
"Hã ? como assim ?"
"Ele está lá na sala te esperando... levanta !"
Confesso que tive taquicardia outra vez por aquele cara. Porém quando cheguei na sala ele não parecia mais o mesmo. Estava mais magro, triste, visivelmente abatido, havia se separado da mulher. Ficamos conversando, fiz um macarrão, ele almoçou com a gente e me convidou para ir na casa da mãe dele. No caminho fomos nos contando alguns segredinhos como as músicas que nos faziam lembrar um do outro.
"- Nunca parei nesta praça, vamos dar uma volta a pé nela Andréa ?"
"- Ah, vamos ver sua mãe vai, estou com saudades dela...."
Eu senti que a praça era só uma desculpa para uma aproximação real, e tive medo...
Ver a família dele foi muito gostoso. Todos os afetos estiveram preservados durante os anos que haviam se passado. Um encontro bem feliz. Ele resolveu buscar a filha para eu conhecer, enquanto isto sua irmã me contou que ele havia se separado muito recentemente. Que na noite em que chegou lá com todas as coisas no carro, tirou tudo, chorou muito, e ao parar de chorar disse: "- Mas a Dona Elza gostava de mim, não gostava ?"
Ele chegou de volta com a menininha, linda ! Eu sempre gostei de crianças, ficamos brincando com ela um pouco e pedi para ir embora. Fiquei muito assutada com tudo. Não sei exatamente o porquê. Eu queria ir embora de qualquer maneira.
Chorei muito no ombro do namorado que eu tinha na época, que nada entendia dos motivos do meu sumiço naquele dia, muito menos do meu infindável choro, para o qual me dava, literalmente, colo.

sexta-feira, janeiro 14

Profissionalismo pessoal

Eu achava que profissionalismo era significado de ausência de emoção. Por isso passei aproximadamente dez anos mostrando as Ciências e a Biologia para um bom número de alunos atrás de uma máscara que escondia minhas reais emoções. Devo ter sido, para a maioria deles, uma daquelas professoras que 'passam batido' pela nossa formação. Para alguns devo ter sido muito chata e exigente, para outros talvez engraçada, metida, compreensiva, arrogante, não sei... O que sei é que algumas turmas me foram, apesar da máscara, muito especiais.
Os professores se queixavam da bagunça da 6a.B da tarde do "Corujinha", mas os alunos me esperavam respeitosos e animadíssimos para as nossas aulas duplas. Adoraram a proposta do projeto piloto recém inventado, fazer um livro, e a levaram a cabo. No final do ano cada aluno tinha terminado o seu próprio livro (na verdade um caderno) de seu animal favorito, inclusive com fotos ! Lindos ! E sem bagunça !
Nesta mesma escola, em outro momento, resolveu-se que alguns alunos 'precisavam' de reforço. Inspirada na 'Sociedade dos poetas mortos' passamos longe dos livros, cadernos e salas de aula. Montamos um aquário, que ficou na porta da escola e foi cuidado pelos ditos 'reforçados'... Estes alunos foram vistos, após o 'reforço', explicando aos seus colegas o que era um ecossistema.

Do famoso 'Gegue' também trago boas recordações, dentre as quais destaco o dia que cheguei a noite com meu carro novo, recém emplacado, em substituição ao velho Fusca. Eu subia as escadas para entrar na sala de aula quando dois alunos me comprimentaram. Do segundo andar era possível ver o estacionamento.

"- Parabéns professora, nós estamos vendo lá embaixo o resultado do suor do seu trabalho !"
"- Ô loco mêu ! Vou ter que suar mais três anos ainda !"
Nos sorrimos... fiquei sem graça e emocionada ao mesmo tempo... e entrei na classe.

É preciso contar que se trata de uma escola da periferia de SP, localizada ao lado de uma enorme favela na qual muitos alunos moram. Me orgulha muito dizer, não pelo materialismo, mas pela atitude, que nem sequer um risco foi feito no meu carro enquanto trabalhei lá. Para ser sincera sempre me senti segura naquela escola, muito embora nos surpreendia, ao mesmo tempo que entristecia, saber que um ou outro aluno havia sido preso por assalto à mão armada.

Os alunos do supletivo também me proporcionaram uma experiência muito interessante. Quanto mais eu preparava as aulas, menos certo dava...

"- Professora, a senhora (sempre achei esta expressão horrível, mas percebi que é imutável na educação paulistana) viu a doença da vaca louca ?"
"- Pois então ? Quem viu ou leu a respeito ? Afinal o que é esta doença ? Qual o agente causador ? Quem sabe ?"

Nada tinha a ver com a programação daquela aula, mas não deixava de ser um importante conteúdo a ser aprendido, principalmente tratando-se de senhores e senhoras que não estavam alí para fazer de conta que aprendiam, e precisavam saber se era conveniente comprar carne para o almoço de suas famílias no dia seguinte.

"- Afinal professora, depois de toda esta discussão, a gente pode ou não comprar a carne no açougue amanhã ?"
"- Boa pergunta ! O que você acha ?"

A avaliação já estava sendo feita, eles já tinham aprendido. Inclusive os mais quietinhos que acompanhavam a discussão só com os olhos atentos.

"- Prova ? Para que vocês querem prova gente ? Estamos precisando provar algo a alguém ? Ah, é verdade tenho que preencher as targetas com notas... bem então faremos a prova na semana que vem, pode ser ?"

Ninguém, que simplesmente frequentava as aulas, precisava estudar. Eles tiveram o privilégio de eu estar no meio do mestrado trazendo informações fresquinhas. Não tinham tempo para estudar, mas sabiam as respostas, justamente porque eram as de suas próprias perguntas.

Ano passado outras duas turmas, formadas por alunos em dependência na Uninove, também foram especialmente importantes para mim. Eles chegaram com a revolta óbvia de quem fora reprovado. Dois dias depois as queixas foram seduzidas pela proposta de "ver o mesmo filme de forma diferente através de missóes possíveis, nas quais podia-se solicitar ajuda ao Tom Cruise na biblioteca". Eu não saberia dizer o que houve de diferente no processo ensino-aprendizagem, sei que no aspecto pessoal eu começava a me interessar por uma pessoa fora dalí. Esta pessoa se fez tão presente que serviu de estímulo triplicado para o meu trabalho. Objetivando (re)ver os conteúdos através de várias estratégias pedagógicas, montamos um filme na cabeça de cada um, ou pelo menos na da maioria. Foi muito divertido e estimulante. Não sei onde coloquei as velhas máscaras... Quando percebi já havia me envolvido emocionalmente com aquela alegria contagiante de quem descobre que aquilo que parecia inatingível, requer apenas vontade de aprender e gasto de alguns ATPs. Pela primeira vez fiquei triste ao terminar um curso e senti saudade dos alunos. Tenho no carro um cachorrinho de pelúcia que ganhei de três alunas que me faz lembrar de todos eles. Mas mais emocionante ainda é reencontrá-los. Invariavelmente eles abrem um sorriso amoroso e vêm me comprimentar, só para dizer, com o maior orgulho de si mesmos, que não só aprenderam como perceberam a importância do que aprenderam.

"- Sabe professora, lá no hospital que trabalho ninguém da enfermagem sabe porque exatamente as bactérias ficam resistentes aos antibióticos... Mas eu sei !"

segunda-feira, janeiro 10

Amizade psicoterapêutica

Em pleno século XXI suponho que Freud teria surtos ao saber como andam as psicoterapias e as portas abertas por seus renegados discípulos. Imagino que Jung acrescentaria a internet à sua teoria do inconsciente coletivo. Groddeck encontraria a doçura do Drauzio Varella para estabelecer as bases da psicossomática. Skinner veria as pessoas se dando choques e se escondendo cada vez mais em suas caixinhas...
A conheci quando trabalhávamos juntas em uma escola. Ainda me lembro da primeira reunião, quando ela colocou na lousa um esquema que representava a sua proposta de trabalho.
"- Mas é você, como coordenadora, quem deve fazer isto !",
"- Acho que não daria certo Andréa, penso que só vai funcionar se todos nós tentarmos fazer isto juntos..."
Ela possui o biotipo da minha mãe, uma alegria no olhar e um pique de trabalho contagiantes. As reuniões subsequentes, normalmente muito calorosas, revelaram cada vez mais afinidades entre nós; estávamos lá pelos alunos, não por vaidade pessoal. Ela também usava calças jeans como eu, mas pintava as unhas, parecendo ainda mais com a Dona Elza ! Enfim, com alguns outros colegas, fizemos uma boa equipe, e um bom trabalho. Saímos da escola no mesmo final de ano, por razões diferentes, ainda bem, teria sido muito sem graça continuar lá sem a sua parceria.
Um dia fui visitá-la em sua casa. Ela se recuperava de uma cirurgia e, como seus olhos ficaram tão alegres quanto os meus com o encontro, ficamos conversando por horas sobre muitos assuntos. Eu acabara de sair de um relacionamento e ainda sofria muito apesar de já estar em terapia. Meses mais tarde participei de um grupo terapêutico montado por ela. Conheci meia duzia de pessoas muito interessantes, inclusive eu mesma, principalmente quando pequena! Me dei alta da terapia individual e fiquei só no grupo, chupando pirulito :-) Mas do tal grupo fica difícil dizer quem foi que 'me mostrei' umas coisas... Senti que seria bom investigar mais profundamente. Fiz a proposta. Ela pensou. Algumas semanas depois estávamos diante uma da outra sozinhas. Confesso que meu espírito científico não podia ter encontrado objeto de estudo mais interessante do que eu mesma, razão pela qual gosto de fazer psicoterapia. A cada semana uma descoberta: uma tristeza, uma alegria, uma agonia, felicidade, ansiedade, paixão, depressão, amor, nós, nóia, bóia ! Ela tem a habilidade de gargalhar comigo e avisar quando vai me tocar fundo... E o faz.. cataliza minhas transformações lenta, natural e construtivamente. Hoje acho que o processo psicoterapêutico não é para qualquer um, é preciso muita coragem para encarar os demônios interiores. Ainda guardo alguns dos meus a sete chaves na alma, por causa do medo de conhecê-los. Ela sabe disto... e me encoraja a cada sessão, porque sabe também que meu maior desejo é tirá-los de dentro de mim.
Uma mulher à frente no tempo, tanto quanto eu, é apaixonada por Freud e faz uso da tecnologia, embora já tenha deixado claro que prefere o ser humano às máquinas. Utiliza exemplos das minhas atitudes de quando trabalhávamos juntas, coisas que eu nem me lembrava mais, porém de suma importância no processo. Lê e responde as mensagens que a envio, me mostra como a sua vida pessoal, de casada, e de mãe de três filhas não é um bicho de sete cabeças como fantasio, embora tenha lá seus percalços. Me conta que faz as mesmas coisas que eu, e me sensibiliza profundamente com o 'aparentemente inocente' aos olhos alheios...
"Sabe?!?! tenho uma caixa enorme onde guardo recordações. Hoje, em meio à arrumação do meu armário resolvi abrí-la... Foi em alguns momentos, muito engraçado, em outros emocionante. Ri, chorei, brinquei, voltei no tempo... (...) Estou sozinha neste momento. ADORO o silêncio e a minha companhia, é claro!!!! (...) Por que as pessoas complicam tanto???? Por que não se deixam ser felizes???? Serem elas mesmas???? Seria tudo mais simples... Mas, enfim... Cada qual é cada qual. E vamos em frente. Beijos, ......."
Parece que quanto mais gosto dela, mais coragem ganho... Trata-se inclusive, de mais uma, dentre as inúmeras formas de amor. Inegável.

sábado, janeiro 8

Bellini e a esfinge

"Estou em SP. Nos encontramos ? Bj, ......"
Somos amigos há mais de dez anos. Daquelas amizades permeadas por sedução, competição, emoção. Daquelas cujas escolhas, ainda que inconscientes, nos colocam bem distante por anos a fio.
"Claro que sim ! Onde e quando ? Estou com saudades ! Beijo, Andréa."
Na mesma noite nos encontramos. Nada nele havia de diferente. Conservava o mesmo estilo intelectual-erótico-brincalhão com estilo. Conversamos sobre diversos assuntos enquanto aguardávamos pela pizza. Comparamos custos de vida nos dois países, andamanto dos nossos trabalhos, projetos de vida, família, amigos em comum, relacionamentos.
"- Eu sempre gostei de você Andréa."
"- Eu nunca te disse antes, mas eu também me apaixonei por você."
"- Depois que eu comecei a namorar a ...... ! Você nunca soube escolher! Ou então escolhia nos momentos errados."
Ele tinha razão, foram dois anos de terapia, quase R$6.000,00 reais (segundo ele), para chegar a esta óbvia conclusão... Eu escolho os homens errados !
"- Você podia estar morando comigo Andréa !"
Adolescentemente resolvemos comer pizza na cama vendo televisão. Começaria um filme que não havíamos assistido ainda. Terminada a pizza, apagamos as luzes e deitamos lado a lado. O vento de verão que entrava pela janela fez lembrar as noites que, ainda adolescentes, ou melhor, jovens adultos, ficávamos na casa dele até tarde conversando, ouvindo música, vendo os novos seriados da TV a cabo e namorando, ainda que não oficialmente... Assim como eu, ele gostava muito de ler e estudar, disputávamos veladamente quem sabia mais entre um copo de suco de banana e uma 'dívida' contraída. Temos histórias engraçadas e ousadas que não contaríamos. Momentos onde o amei em segredo e o odiei declaradamente.
"- Sua mãe está boa ?"
"- Continua a mesma, me enchendo o saco, larguei ela falando sozinha a tarde e fui dormir."
"- Dormir ?"
"- É, alguns preferem beber, eu durmo !"
O ombro dele e seu cheiro continuavam compondo um bom travesseiro. Meu coração estava completamente feliz por revê-lo de forma tão repentina. A proximidade das almas era tão grande que parecia que havíamos estado juntos todos estes anos. Os beijos, cheios de desejo, foram dos mais carinhosos que haviam acontecido entre a gente. A 'dívida' de longos anos foi naturalmente paga. A alegria foi instalada, enquanto a música em meu computador chegava. Certamente compartilhamos uma forma de amor, das mais elevadas, sem promessas.

sexta-feira, janeiro 7

Pastel especial

Saudade... foi o sentimento que me acompanhou ontem a tarde.
Eu e ela costumávamos comer um pastel especial gigante em determinado shoping center.
Ela era, dentre muitas outras coisas, a melhor companhia para comprar roupas e 'bater pernas'. Aproveitávamos para conversar sobre nossas idiossincrasias pessoais. Quantas histórias colecionamos para contar, viagens fantásticas, dramas, piadas do cotidiano, problemas familiares, jargões de ex, crises existenciais, palavras gozadas. Sempre nos apoiamos uma à outra. E quando a situação era difícil de ser resolvida, regurgitávamos o tema por horas, e por fim nos olhávamos com profundidade e dizíamos "Acho que você deve fazer o que você tem vontade !" Ainda que esta fosse sair correndo atrás daqueles caras que já sabíamos, não nos mereciam. Fiz questão de repetir o pedido, "- Moço, eu quero um especial número 1 e um suco de abacaxi com hortelã." Já foi difícil pedir um só, mas como tinha resolvido encarar os fatos, fiquei esperando enquanto me lembrava daqueles olhões que um dia não se contiveram, nem mesmo na hora do pastel, e se debulharam em lágrimas alí mesmo, na minha frente. Sentei em uma mesinha. Definitivamente faltava alguém à minha frente para catalizar as minhas descobertas, me ajudar a matar a charada ! As coisas realmente haviam mudado: o suco estava muito melado, o pastel diminuiu, e ainda por cima era o número 3 ! A sensação de vazio foi ficando tão grande que a alegria do rapaz sentado na mesa ao lado, com os colegas a parabenizá-lo, não foi capaz de conter as lágrimas, agora nos meus olhos. Na minha frente uma senhora comia um sanduíche com tanta pressa que não percebeu meu desconforto. Eu comi relativamente rápido, muda. A nossa loja favorita também havia fechado. Uma vendedora me seduziu e entrei em uma loja nova. Olhei meio sem vontade... mas acabei gostando ! Tira roupa, põe roupa, uma ginástica ! Os olhões certamente reprovariam a blusa branca com estampa amarela, mas achariam a camisa branca com zíper muito elegante. Foi bom para mim, fazia tempo que a sua companhia havia sido substituída pela minha velha 'molambência'...

terça-feira, janeiro 4

Nietzsche, Confucio e Galilei

Imagino um encontro destas três criaturas...
Sempre há um pouco de loucura no amor, porém sempre há um pouco de razão na loucura. (F. Nietzshe)

O maior prazer de um homem inteligente é bancar o idiota diante de um idiota que banca o inteligente. (Confucio)

Você não pode ensinar nada a um homem; você pode apenas ajudá-lo a encontrar a resposta dentro dele mesmo. (Galileu Galilei)

Um dialeticamente louco de amor (racional), outro inteligentemente bancando o idiota (sábio) e o terceiro moderando a discussão (construtivista) :-)))))

domingo, janeiro 2


Apaixonada, minha melhor maneira de viver ! Posted by Hello

Biose feita

(Sim. per. Quatro mãos)

Antes a crítica
Nada de elogios
Dentre tantos enganos
Razão nenhuma pretende-se
Exceto se houver conexão para
Amar

Razão para isto, nem sempre falta
Ademais, insisto, não fostes incauta
Mesmo distante de grado te acompanho
Imergindo-me bastante em teu mundo e
Rindo de tuas agruras quase apanho
Em seguida, faço-me ouvidos, mudo, de
Z a A és avessos sentidos no bom sentido