Ele era um daqueles rapazes que atraía a atenção de todas as pré-adolescentes na escola. Um tipo alegre, divertido, extrovertido, inteligente e muito paquerador. Que detestava assistir aula, e sempre era advertido, quando não suspenso por suas rebeldias. Estava na sexta série. Eu na quinta. Portanto eu tinha 12 anos e ele 15. Era também filho de uma das melhores amigas de minha mãe, com quem tinha uma relação de admiração e respeito muito grande. Eu era muito introvertida e tímida, além de ter a presença forte da minha mãe que sempre estava por perto. Ela me levava para a escola no famoso Fusca bege. Todas as minhas amigas falavam dele, oras o quanto o achavam bonito, oras o quanto ele era terrível por fazer 'rodízio de meninas' na porta da escola. Eu era puro segredo. Ninguém sabia explicitamente que eu era apaixonada por ele. Mas a Dona Elza sabia... ah.... ela sabia sim... Um dia ela foi me buscar na escola e o viu com mais uma menina. Era final de tarde, estávamos só eu e ela dentro do carro. Ela teve a audácia de parar o carro ao lado dele, que por sua vez estava agarrado na garota, e dizer:
"- Oi ...... ! A próxima da fila sou eu heim !"
"- Claro Dona Elza...." e esticou um olhar para mim que deve ter me deixado roxa de vergonha.
Tive vontade de esganar minha mãe ! Ela era perita em me deixar sem graça perto dele. Eu passava mal de vergonha e mantinha-me cada vez mais calada sobre o tema.
Depois de ficar com metade das meninas da escola ele abandonou os estudos e foi trabalhar com o pai em filmagens. Nunca esqueço de um casamento de uma vizinha no qual inesperadamente encontrei com ele. Claro que mamãe e papai estavam comigo... Eu quase não (ou obviamente não) consegui disfarçar meu coração saíndo pela boca. Hoje acho engraçado lembrar.
Era uma época que ainda se realizavam bailinhos nos porões das casas e prédios para arrecadar fundos para a formatura. Minha turma organizou um destes. Lá fui eu, depois de muita luta para conseguir autorização da Dona Elza, que por sua vez resolveu o problema dela (muito inteligentemente) se disponibilizando a ajudar na organização. 'Era tudo o que eu precisava - minha mãe no meu baile, me vigiando...' Não só meu objeto de paixão passou longe de mim, como todos os outros meninos, óbvio...
Na oitava série fizemos uma excursão para o Horto Florestal. O dia foi divertido, porém a volta muito estranha... Imagino que os meninos combinaram tudo antes. Foi um tal de trocarem de lugar nos bancos do ônibus, que quando percebi um colega de classe estava do meu lado. E ficou conversando comigo até que de repente me roubou um beijo tipo selinho. Levei um susto, não estava esperando, além do mais aquilo nunca tinha me acontecido antes, nem com ele nem com outro menino. Ele certamente não sabia que eu era apaixonada pelo dito cujo acima.
"- O que você acha que eu quero Andréa ?"
"- Eu acho que você quer namorar."
"- Não, eu quero isto !"
E começou um beijo de língua que me deixou ainda mais sem jeito. Lembro da cara da minha amiga que me olhava rindo porque eu nem sequer tinha fechado os olhos. Achei aquilo tudo muito esquisito, e não o deixei repetir a coisa. Ao chegarmos de volta na escola nem me despedi da criatura que havia me beijado, mas me lembro de ficarmos nos entreolhando à distância por alguns minutos, mudos. Eu achei aquilo tudo péssimo. Como assim não pedia autorização, me beijava, não queria namorar e na sequência beijava de língua ? Achei nojento e tive raiva dele por muito tempo.
A minha formatura aconteceria em algumas semanas quando minha mãe pediu que eu telefonasse para a amiga dela convidando todos, inclusive minha paixão acima, para a festa. Ela cismou que deveria ser naquela hora. Telefonei, ELE atendeu. Quase perdi a voz, mas fui fazendo o convite à toda a família. Ele, educadíssimo, agradecia. Dona Elza, entusiasmada por monitorar a conversa insistia para eu convidá-lo para ser meu padrinho. Aquilo nunca tinha passado pela minha cabeça, até mesmo porque ele estava namorando uma moça de outra cidade (ainda acho que foi armação das nossas mães). Enfim, ele foi dito como o padrinho mais bonito da festa, eu devo ter sido a a formanda 'zebra' por estar com ele. Háhá. Dançamos uma valsa juntos, cuja foto tenho até hoje. Lá pelas tantas ele me chamou num canto. Meu coração obviamente saía pela boca.
"- Eu acho que devemos ter algo mais sério Andréa !"
"- Mas você já tem uma namorada !"
Não lembro como continuou a conversa... Voltamos para o salão e sentei ao lado de uma amiga.
"- O que aconteceu com o seu padrinho Andréa ? Ele está tão murchinho..."
"- Ele quis namorar comigo mas eu não quis."
"- Tá maluca ! Dispensando logo ELE ! Porque não ??"
"- Porque ele já tem uma namorada, e quem já tem uma namorada não pode ter outra !"
Na verdade eu não queria ser apenas mais uma da enorme lista dele. Mas me arrependi muito, por muitos anos, por ter recusado a proposta. Depois vim a saber pela irmã dele que ele ficou muito triste nos dias seguintes à festa. Pouco tempo depois eles mudaram de cidade. Eu sofri muito, calada, pela perda do contato. Quando minha mãe morreu ele foi me visitar. Chorou muito comigo, mais do que eu, ele realmente gostava dela. Dentre outras tantas coisas, ele me disse que estava namorando...
Outros tantos anos depois ele estava passeando pelo velho bairro e resolveu passar em casa. Eu estava com uma amiga que, um dia, tinha estado na lista dele. Conversamos muito. Ele iria se casar em alguns meses.
"- Por que você resolveu se casar ?"
"- Porque é chegada a hora..."
Resolvi abrir o jogo, contei que gostei dele na época da escola. Ele revelou sentimento recíproco e disse que tinha a nossa foto da formatura na porta do armário dele. Fiquei surpresa, busquei uma folha de sulfite na qual eu havia escrito inteirinha, anos atrás, o nome dele com caneta BIC quatro cores. Ele levou um susto quando viu a data. Sabia o significado daquilo. Levou a folha e ficou de voltar para deixar o convite de casamento. Por alguns dias torci para que ele não se casasse, chorei absurdos, ensaiei várias falas, mas ele não voltou para entregar o convite.
Muitos anos depois, quando eu já estava no mestrado encontrei a irmã dele em uma biblioteca.
"- E como vai seu irmão ?"
"- Ele não anda muito bem não, tem uma filhinha, mas está brigando muito com a esposa. Passa lá em casa Andréa, minha mãe vai gostar de ver você, e meu irmão também !"
"- Até tenho vontade, mas acho melhor não, afinal, é desconcertante rever um grande amor..."
Foi a primeira vez que disse algo tão claro sobre o que eu senti por ele para alguém.
Alguns meses depois meu pai me acordou em um domigo com um sorisso bem maroto (assim como a Dona Elza, ele também sabia... apesar do meu silêncio)
"Andréa, acorde, tem uma visita para você ! É o ......!"
"Hã ? como assim ?"
"Ele está lá na sala te esperando... levanta !"
Confesso que tive taquicardia outra vez por aquele cara. Porém quando cheguei na sala ele não parecia mais o mesmo. Estava mais magro, triste, visivelmente abatido, havia se separado da mulher. Ficamos conversando, fiz um macarrão, ele almoçou com a gente e me convidou para ir na casa da mãe dele. No caminho fomos nos contando alguns segredinhos como as músicas que nos faziam lembrar um do outro.
"- Nunca parei nesta praça, vamos dar uma volta a pé nela Andréa ?"
"- Ah, vamos ver sua mãe vai, estou com saudades dela...."
Eu senti que a praça era só uma desculpa para uma aproximação real, e tive medo...
Ver a família dele foi muito gostoso. Todos os afetos estiveram preservados durante os anos que haviam se passado. Um encontro bem feliz. Ele resolveu buscar a filha para eu conhecer, enquanto isto sua irmã me contou que ele havia se separado muito recentemente. Que na noite em que chegou lá com todas as coisas no carro, tirou tudo, chorou muito, e ao parar de chorar disse: "- Mas a Dona Elza gostava de mim, não gostava ?"
Ele chegou de volta com a menininha, linda ! Eu sempre gostei de crianças, ficamos brincando com ela um pouco e pedi para ir embora. Fiquei muito assutada com tudo. Não sei exatamente o porquê. Eu queria ir embora de qualquer maneira.
Chorei muito no ombro do namorado que eu tinha na época, que nada entendia dos motivos do meu sumiço naquele dia, muito menos do meu infindável choro, para o qual me dava, literalmente, colo.